Flavio Cruz

A insustentável beleza do tempo


 
Fiquei olhando aquelas fotos antigas da Avenida São João. Os bondes, aquelas pessoas com suas roupas típicas, andando, atravessando. Uma calma, uma serenidade, uma paz insuspeita. Desconfio, porém, que esses seres também tinham seus pequenos pesadelos à noite. Talvez sobre as dificuldades do começo do século. Quais seriam suas preocupações? O que habitava aquelas mentes? Certamente eram outras paisagens, outros sonhos. Eles tinham como garantidos muitos daqueles com os quais não contamos mais. Nem sonhavam, porém, com outros, que são o nosso dia a dia, o nosso comum, o nosso trivial. Não sei o que daria para poder viajar no tempo. Parar por ali, conversar com aquela gente. Perguntar seus nomes, o que faziam... Atravessar essa intransponível barreira do tempo, essa muralha metafísica, essa impossibilidade.
Depois minha cabeça dá um pinote. Eu me vejo, também, congelado, numa foto de 2014. Vejo um ser distante, do ano 2301, olhar para minha foto, perdida em algum arquivo qualquer do futuro quântico e se perguntar: quem é aquele ser ali, cismado, pensando em sei lá o quê? E se ele pudesse viajar de volta, ficar diante de mim e me fazer perguntas? Diante da insólita situação, meio tonto, daria para ele meu nome completo, meu RG? Falaria de meus sonhos, do que eu espero do futuro distante? Não sei, não. Desconfio que ficaria mudo de espanto, petrificado, sublimado. Certamente estaria atônito diante de tal maravilha, e talvez murmurasse tão somente: “Obrigado, muito obrigado, mesmo, por vir me visitar, querido cidadão do futuro...”.

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Published on e-Stories.org on 07/02/2015.

 
 

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